A sucessão familiar em empresas é como passar o bastão em um revezamento de longa distância. Quando bem feito, mantém o ritmo e garante que a corrida continue.
Entretanto, no Brasil, essa transição tem sido um dos maiores desafios para os negócios familiares. Apenas 30% das empresas familiares chegam à segunda geração, e menos de 20% conseguem alcançar a terceira.
Estes dados assustam e evidenciam a fragilidade na continuidade de negócios que representam cerca de 65% do PIB nacional, além de empregarem 75% da mão de obra no país. Mas por que essas empresas não conseguem sobreviver ao tempo e, ainda mais, como a tão aguardada reforma tributária pode colocar novos obstáculos no caminho?
Os gargalos da sucessão familiar
O primeiro grande vilão dessa história é a falta de planejamento. Muitos empresários negligenciam a sucessão ou a tratam como algo “para o futuro”, postergando decisões críticas até o momento em que tragédias (como o falecimento inesperado) obrigam herdeiros despreparados a assumir as rédeas.
A negação de conflitos internos também é outro gargalo substancial. Muitos proprietários preferem ignorar as tensões entre membros da família, como disputas de poder ou divergências sobre a gestão do negócio. Quando esses problemas não são enfrentados, transformam-se em bombas-relógio prestes a explodir durante o processo de sucessão.
Outro problema comum é a ausência de uma estrutura de governança clara. O que acontece quando as regras do jogo estão mal definidas? Predomina a confusão, e decisões importantes não são tomadas de forma eficiente. Além disso, a resistência por parte da geração que está no comando é um ponto crítico.
Muitos fundadores têm dificuldade em renunciar ao controle, visualizando o afastamento como uma perda de identidade ou relevância dentro do negócio.
Essa combinação de falta de planejamento estratégico, conflitos emocionais e estruturas mal definidas coloca em risco não apenas a sobrevivência econômica, mas também o legado das empresas familiares no Brasil.
O papel crucial do planejamento sucessório
Para ultrapassar esses desafios, o planejamento sucessório surge como ferramenta fundamental. Ele não é apenas uma formalidade, mas um conjunto de estratégias com etapas bem definidas que garantem uma transição suave e organizada. Trata-se de identificar e preparar aquele que assumirá a liderança, focando não apenas em competência técnica, mas também em habilidades emocionais e sociais para lidar com os diferentes stakeholders.
Esse planejamento deve ocorrer em três níveis principais:
- Família – Estabelecer limites e papéis claros, além de tratar conflitos e expectativas.
- Propriedade – Definir como será a divisão patrimonial e a relação entre sócios familiares e não familiares.
- Gestão – Garantir que o sucessor compreenda a cultura organizacional e esteja preparado para sustentar a estratégia do negócio.
Além disso, é importante oferecer capacitação contínua ao sucessor. Imersões no mercado, atribuição progressiva de responsabilidades, e suporte emocional são medidas indispensáveis para garantir uma liderança engajada e respeitada.
A carga adicional da Reforma Tributária
Agora, imagine adicionar um ingrediente ainda mais complexo a essa equação já delicada. Estamos falando da tão esperada reforma tributária no Brasil. Embora muitos enxerguem a reforma como uma oportunidade para simplificar o sistema e fomentar a competitividade, essa reestruturação também representa grandes desafios, especialmente para as empresas familiares.
Um ponto central de atenção é a unificação dos tributos sobre consumo (através do IBS e CBS), que embora deva beneficiar grandes grupos empresariais, pode aumentar a complexidade para negócios menores e familiares.
Essas empresas, em muitos casos, não possuem uma estrutura contábil robusta e terão que lidar com mudanças em alíquotas, cálculos e novas exigências.
Outro desafio vem com a tributação de dividendos. Nos últimos anos, a isenção de impostos sobre dividendos tem sido um ponto de alívio para muitos empresários, mas com o fantasma da taxação assombrando as empresas, as disponibilidades financeiras poderão ser reduzidas as podem prejudicar o capital de reinvestimento e, consequentemente, dificultar ainda mais a passagem do bastão entre as gerações.
Afinal, como planejar uma sucessão sólida em um ambiente onde partes importantes da receita são comprometidas com tributos?
Soluções e reflexões
O cenário pode parecer alarmante, mas a solução está no preparo. Empresários familiares precisam se antecipar às mudanças e adotar medidas proativas. Isso inclui:
- Trabalhar junto a consultores tributários para otimizar a estrutura societária e patrimonial, garantindo maior eficiência fiscal;
- Formalizar acordos de sócios e governança que alinhem interesses entre os herdeiros e evitem disputas no futuro;
- Investir em tecnologia para modernizar a administração, acompanhando as exigências legais e fiscais impostas pela reforma tributária.
Além disso, é fundamental que as famílias empresárias tratem a sucessão e a reorganização tributária de forma integrada. Não é possível tratar questões fiscais e sucessórias como assuntos desconexos, pois ambos impactam diretamente os resultados a longo prazo.
Um novo capítulo para as empresas familiares
A sucessão familiar e a reforma tributária exemplificam como convergem os desafios de gestão empresarial, relações familiares e legislação. O sucesso dessas empresas dependerá de uma postura ativa para enfrentar as complexidades, ao mesmo tempo que preserva o legado e se adapta às novas realidades do mercado e da política tributária.
Negligenciar mudanças no cenário tributário pode ser fatal, mas ignorar o planejamento sucessório pode ser ainda pior. Afinal, o futuro das empresas familiares no Brasil não depende apenas de estratégias financeiras ou fiscais, mas do preparo de líderes que possam conduzir o negócio em meio a um ambiente complexo e em constante transformação.
O desafio está lançado: você, empresário, está preparado para passar o bastão?
Artigo produzido e adaptado para o Blog Lonax. O advogado Eduardo Arrieiro tem mais de 20 anos de expertise como profissional liberal, professor e consultor – em especial nas áreas tributária, de patrimônio e sucessão empresarial.