O consumo de pescado vem de longa data, desde antes do desenvolvimento do homo sapiens. Para as espécies de hominídeos que habitavam a Terra, com os caçadores e coletores, a proteína animal era obtida principalmente por meio da caça de animais selvagens e da pesca, e era fonte fundamental de nutrientes, mas a disponibilidade dependia das condições locais e sazonais.
Com a domesticação dos animais como as ovelhas, cabras, bovinos, os seus sub produtos como leite e ovos passaram a ser produzidos de forma local e controlada, o que fez com que o homem aumentasse a população, ao deixar de ser nômade.
A história relata vestígios da domesticação de carpas na China milenar e em países da Europa; em 5.000 A.C. foram encontrados vestígios de tanques na região onde hoje se situa a Polônia; de 1.135 a 1.122 A.C. Wen Fang apresentou os primeiros registros sobre crescimento e comportamento de carpas e em 460 A.C. Fan Li escreveu “Piscicultura Clássica”.
Aristóteles menciona cultivo de ostras na Grécia além de outros inúmeros relatos.
A pesca sempre foi fonte de aquisição de proteína animal, tanto via pesca marítima quando pesca continental. No antigo Egito já se observava o consumo das tilápias nativas do rio Nilo, extraídas do famoso mar da Galileia, que na época de Jesus já era considerado um dos lagos mais produtivos na produção de peixes, com vários testemunhos nas passagens do Evangelho.
Durante séculos, a população mundial se manteve estável, fatores como doenças, dificuldades de produção constante de alimento, guerras sucessivas mantiveram indiretamente o crescimento da população mundial estagnado.
Após o século XXI, com o desenvolvimento da revolução industrial e as principais ciências como a física, química, biológica ocorreu uma grande mudança da forma de pensar e desenvolver tecnologias, que com a sua aplicação abriu novos horizontes para a produção agrícola mundial.
Desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial
A pesca extrativista sempre foi a principal forma de obter proteína dos pescados com a base da captura de recursos naturais selvagens. Com a expansão e modernização principalmente após a grande segunda guerra mundial, ocorreu a modernização da pesca, indo para o patamar de pesca industrial, que passou a utilizar tecnologias de rede de arrasto, embarcações motorizadas.
O aumento da pesca extrativista levou ao esgotamento de estoques naturais, como por exemplo o bacalhau no Atlântico Norte nos anos 1970. A consequência dessa estagnação de recursos pesqueiros foi o desenvolvimento rápido da aquacultura, que é a fonte sustentável de produção de pescado e assim se mantivesse a oferta mundial de pescado.
A produção em cativeiro se expandiu especialmente na Ásia, liderada por países como China, Indonésia e Índia.
A partir da década de 1980, a aquacultura teve um grande desenvolvimento para suprir a demanda local de pescado; na Noruega para suprir a de salmão, as carpas, na China, peixes do Mediterrâneo na Europa e da mesma forma em Israel, que tinha uma grande missão de produzir alimento para sua crescente população, com o desafio maior de ter segurança alimentar em meio a países inimigos, de tempos remotos.
Toda essa pressão fez com que ocorresse o desenvolvimento de tecnologias adaptadas as espécies locais, como peixes de clima subtropical como os salmonídeos (trutas e salmões) peixes com adaptações de clima frio e tropical como as carpas e a seleção de peixes tropicais, caso da tilápia.
O outro desafio foi ter sistemas de produção adaptados ao custo de produção, o que foi desenvolvido principalmente na Asia, com a utilização de peixes filtradores para aproveitamento da matéria orgânica, que tinha como finalidade a produção de alimento natural para os peixes.
Com o aprimoramento das tecnologias e capacidade de investimento, os países europeus desenvolveram sistemas intensivos de produção para torná-la constante durante todo o ano, o que passou a garantir a oferta de alimento, mesmo no período de inverno.
O reuso da água como solução de segurança
Com a intensificação da produção surge a necessidade de criar sistemas em que a água passou a ser tratada e retornada para a produção de peixes; esse fato se deu devido ao controle da qualidade de água por questões ambientais, pela segurança sanitária do plantel e pela constante produção, principalmente no inverno. Assim temos hoje a tecnologia já bem estabelecida conhecia com RAS, que vem do inglês “Recirculating Aquaculture System”.
Como citado, alguns países trabalharam com o mesmo princípio, entre eles Israel, que com a produção de peixes tropicais, principalmente a tilápia, adaptou a tecnologia para sua realidade, que sempre foi restrita em função da escassez de água (clima árido em grande parte do território, tendo pouca precipitação e oferta de água superficial bombeada do Rio Jordão que também abastece outros países como Jordânia e Cisjordânia).
O uso da geomembrana como solução perfeita
Para isso foi desenvolvida a utilização de geomembranas, que é o meio mais eficaz de impermeabilização do solo arenoso, característico da região. Com o princípio de ter água acumulada para utilização para irrigação tecnificada, foi desenvolvido o sistema de utilizar essa mesma água para a produção de peixes, com o conceito de aproveitar as excreções deles como forma de auxiliar a nutrição das plantas.
Os caminhos das piscicultura no Brasil
No Brasil, da mesma forma, vários sistemas de produção são adotados, sendo que a produção em viveiros com alimento natural ou adubação orgânica apresenta baixa produtividade. O sistema que mais se desenvolveu a partir dos anos 2000 foi a produção de peixes em tanques rede, e a principal espécie produzida, a tilápia.
O Brasil por ter sua geração de energia baseada em hidrelétricas, já possui grandes reservatórios com água de boa qualidade e temperatura favorável para o desenvolvimento da tilápia.
A produção na última década teve crescimento acima de dois dígitos, fato esse que não acontece com as outras cadeias, mesmo o Brasil sendo o segundo maior produtor e exportador mundial de frangos, a aquacultura vem crescendo, tendo o desafio de suprir a demanda nacional que ainda apresenta um déficit comercial do pescado e suprir ainda um consumo baixo de peixe, ainda metade da média mundial – 20kg habitante/ano – e abastecer o mercado mundial de pescado que cresce a cada ano.
Temos o potencial – além da produção em tanques rede – para utilizarmos o potencial hídrico, principalmente da irrigação, que vem crescendo com a construção de reservatórios revestidos em geomembrana, utilizando os dejetos dos peixes como forma de fertilização do solo.
Temos água, clima, tecnologia, grãos para alimentação dos peixes, agora é crescer com sustentabilidade e assim potencializar para escalarmos do quinto lugar como produtor de tilápia para o segundo lugar, atras apenas da China, que segue como o maior produtor de peixes do mundo.
Texto redigido e adaptado para o blog Lonax sob autorização. O autor Marco Tulio é sócio da empresa Multifish e um dos pioneiros no cultivo da pescado em tanques suspensos no Brasil.