Inteligência de Mercado e Transformação Digital – Parte 2

Este artigo tem como segundo objetivo específico o de levantar evidências em campo da efetiva “digitalização” dos negócios e dimensões utilizadas na coleta de inteligência de mercado, explorando “estratégias online” das empresas. Para tanto, foram ouvidas 20 empresas em uma pesquisa qualitativa desenvolvida em 10 diferentes segmentos no Brasil, que utilizou três categorias ou dimensões para a entrevista: mercado, concorrência e clientes, vistas como pilares mais evidentes nas estruturas de inteligência.

Os depoimentos foram dos responsáveis pelas áreas de inteligência de mercado. Em uma compilação de diferentes projetos e serviços que exploram a prática da inteligência nas empresas participantes da pesquisa, podem ser listadas necessidades reais, tanto no que diz respeito à dimensão mercado, concorrência ou clientes. A seguir, alguns trechos dos depoimentos coletados, com posterior análise do conteúdo apresentado: não conhecemos o tamanho e o real potencial do mercado. Ainda temos gaps de conhecimento em relação a market size e market share! Precisamos conhecer a divisão geográfica do mercado para agir e visualizar tudo isso.

Nossa equipe de vendas está distribuída de forma equivocada no mercado! Temos muita gente do time comercial alocada onde há concentração de concorrentes, mas há áreas demandando atenção no norte do estado e não estamos conseguindo atender. É essencial, para nós, entender o mercado, conhecendo quem foi mais afetado pela crise do COVID-19. Precisamos reagir e crescer, mas nos falta o conhecimento de onde estão as oportunidades e quais são os potenciais riscos.

O mercado requer novos modelos de negócios que o nosso não apresenta. Quero investir, mas não conheço bem quem são os principais players do setor!

1) Preciso saber se a minha empresa está vendendo mais ou menos carros do que as marcas concorrentes. Preciso entender como o meu concorrente está entregando valor e precificando por isso! Nossos concorrentes têm oferecido diferenciais de valor que nossos clientes têm reconhecido.

2) Precisamos saber quais são esses diferenciais da concorrência sob a ótica do cliente. Nossos concorrentes conseguiram reagir com criatividade ao COVID-19 e nós nem tanto. Os pontos fortes que eles têm superam os nossos em relação ao ranking de vendas no setor.

3) A nossa empresa precisa entender a carteira de clientes, a dinâmica da demanda e os novos hábitos de compra. Não temos conhecimento de qual tem sido a nossa taxa de conversão e quantas propostas foram efetivadas (Win Loss). Nossas ações de follow-up com clientes conseguem baixa conversão, pois não estamos conseguindo acompanhar. Não tenho esses números e não sabemos como isso está.

Desconfiamos, mas não sabemos quem são os clientes prioritários. Nunca monitoramos Lifetime value (LTV). Não conseguimos saber qual foi o nosso Churn rate durante os três meses de fechamento de nossos PDVs físicos durante o período crítico da COVID-19. Temos perguntas que não conseguimos responder.

1) Como estamos trabalhando nossos leads de nossa base, transformando-os em clientes?

2)Em que medida geramos relacionamento com os clientes?

3)Até que ponto há geração de inteligência utilizando nossa base de clientes?

Uma das nossas necessidades de inteligência de mercado é a ausência de monitoramento de Recorrência (Monthly Recurring Revenue – MRR), ou seja, não conhecemos nossa eventual recorrência mensal (receita de recorrência mensal). Não há taxas interessantes de recompra e lealdade por parte dos nossos clientes.

O conteúdo levantado em campo, por meio de entrevistas com responsáveis das áreas de inteligência, sugere que a inteligência de mercado e a digitalização de informações poderiam gerar respostas em tempo real para essas demandas. Um planejamento de inteligência, que oriente uma coleta sistemática de dados e informações, levaria a uma capacidade analítica e geração de dashboards com relativa velocidade e periodicidades. Os produtos de inteligência gerados produziriam uma capacidade de disseminação de um produto de inteligência, ou seja, informações interpretadas e com valor agregado.

A Transformação Digital e a Inteligência de Mercado.

A digitalização permitiu acompanhar a competição de diversas formas, sobretudo nas mídias sociais, que são o local de maior fluxo de informações e que, normalmente, servem como uma fotografia fiel do mercado. Ali são observadas as objeções e predileções por empresas. Nas mídias sociais são apontadas as falhas do seu negócio e dos negócios dos seus concorrentes, além dos pontos fortes de cada player do mercado e da sua habilidade em ajustar seus produtos e serviços.

Como é possível perceber o quão hábeis são as empresas competidoras em lidar com críticas e feedbacks, pode-se comparar vantagens e desvantagens do seu negócio em relação aos concorrentes. Correção de rumos, ajustes estratégicos e tomada de decisão embasada em dados e informação são os maiores benefícios observados na coleta de dados nesse território.

Em um contexto de transformação digital, bem definida por Rogers (2017), estão cinco domínios: clientes, competição, dados, inovação e valor. A inteligência de mercado transita de forma confortável entre todos eles. As variáveis incontroláveis, constantemente monitoradas pela inteligência de mercado, surpreendem constantemente. Eventos esportivos, guerras, eleições, impactos repentinos derivados de fenômenos climáticos em uma pandemia que chegou sem avisar em 2020, provocam mudanças de planos e, junto a isso, impõem um isolamento social sem precedentes.

O fenômeno da pandemia, apesar de não ser previsto diretamente por ações da inteligência na maior parte das empresas, impulsionou a digitalização de negócios, até mesmo nas menos preparadas ou até menos alinhadas. Entretanto, provocou uma corrida para a digitalização de processos e adoção de estratégias online. Outras empresas que sempre demonstraram uma cultura orientada a dados e inovação tiveram a oportunidade de potencializar suas operações. Entre elas, as globais Tesla, 3M, Scania, Volvo, Honda, entre outras brasileiras como o Grupo Boticário, Unimed e Embraco, hábeis usuárias de informação para criação de valor.

Nos últimos anos, junto à informação explorada e gerenciada pelos negócios inovadores, a adoção de tecnologias, a digitalização e a transformação da forma como é explorada trouxeram resultados expressivos para os negócios. Modelos disruptivos de negócios baseados em plataformas, denominados por Rogers (2017) como “nativas digitais”, demonstram maior habilidade nas formas de explorar dados e construir relacionamento com seus consumidores.

As nativas digitais demonstram métodos diferentes para entender e monitorar os concorrentes, detectando oportunidades, ameaças e movimentos de mercados. Uma pesquisa da KPMG afirma que 6 em cada 10 consumidores asseguram ser leais a uma marca comprometida com a inovação, uma causa beneficente ou com o meio ambiente (GAMBÔA, 2020).

Além da concorrência, a inteligência de mercado usa como principais fontes de informações os clientes, responsáveis por demonstrar a fragilidade de produtos e serviços e capazes de direcionar a empresa a entregar aquilo que, na percepção direta, clara e objetiva de cada um faz ou não sentido.

Os clientes ocupam o espaço do primeiro domínio da transformação digital descrita por Rogers (2017). Sempre que você pensar em competição, lembre-se do segundo domínio da Transformação digital de Rogers (2017), e ainda é possível conectar essa dimensão ao olhar da Inteligência com seu foco competitivo. É a partir do uso da informação que se gera conhecimento e se chega à inteligência. Essa, por sua vez, contribui para discernir e tomar decisões.

A empresa inteligente usa a análise da competição como uma forma de tatear o mercado. Nesse contexto é possível aprender com os erros dos outros e inspirar-se nos acertos, buscando uma adaptação. A competição ensina onde e como explorar um mercado. A inteligência deve mapear os movimentos de competição que vão se desenhando com o tempo. Por exemplo, empresas de locação de veículos podem monitorar desde preços praticados pela concorrência até as políticas de precificação, argumentos de venda, tendência na oferta de produtos e até modelos de veículos mais promissores. O fato é que a competição ensina o tempo inteiro e cabe às empresas desenvolverem sua inteligência para coletar, analisar, interpretar e desenvolver informação para apoiar suas decisões.

Até aqui, caberia perguntar: você se lembra qual era a matéria prima da Inteligência de Mercado discutida no início do capítulo? O que tem guiado a Transformação Digital? Se você respondeu que são os dados, você está no caminho certo! Os dados têm sido gerados a todo o momento. A cada consulta que é feita a um site, com inserção de alguns dados do perfil, informações são geradas. A cada compra que se faz, pedindo comida no iFood, alterando uma informação do perfil do Linkedin, comprando uma passagem aérea e fazendo uma busca por palavras-chave, dados são gerados e outros começam a ser processados em velocidade jamais vista.

Informações de perfil e hábitos de compra são rapidamente atribuídos a pessoa ou a qualquer consumidor. Essa é a base da maioria das estratégias online. Estratégias online conforme discutido por Marques e Vidigal (2018), a utilização da Internet, mais especificamente das redes sociais, por parte das empresas pode gerar uma ligação inteligente de relacionamento e visibilidade perante os consumidores, e que é possível, estrategicamente, retirar a informação e utilizá-la de forma a obter vantagens competitivas.

O processo de inteligência pode criar vantagem competitiva para as empresas, uma vez que pode dar sustentação a decisões fundamentais em inúmeros departamentos ou setores de uma mesma empresa. A tecnologia da informação e o uso da Internet podem desempenhar um papel importante para fazer de pequenas empresas, empreendimentos altamente competitivos (VIDIGAL, 2011, pag. 44).

As estratégias online permitem que produtos e serviços se adaptem aos hábitos e comportamentos de consumo. Em outras situações, é o comportamento de consumidores que se transforma em função de dados e informações que circulam nas mídias sociais. Por meio de estratégias online, alguns métodos de pesquisa também foram potencializados, como é o caso da pesquisa etnográfica. Com o crescimento da internet, a pesquisa netnográfica ganhou relevância.

Trata-se da busca e análise de comportamentos, por meio de depoimentos, de elogios, de críticas, de associações de dados e de informações em ambientes de compartilhamento de informações como Facebook, Instagram, Linkedin, entre outros. Por meio dessas mídias digitais, novos hábitos dos consumidores têm sido conhecidos e acompanhados, permitindo uma velocidade não observada anteriormente, responsável por incrementar a possibilidade de adaptação das empresas aos seus ambientes.

 

Texto adaptado para o blog Lonax sob autorização do autor. Frederico Vidigal é Professor associado na Fundação Dom Cabral nas disciplinas de Estratégia, Inteligência Competitiva e Inteligência de Mercado. Professor titular I do IBMEC em Estratégia empresarial. Sócio-diretor da CEGEX Consulting. Pós-doutorado em Estratégia, Marketing e Inovação pelo CEPEAD / FACE/UFMG em cotutela com o ISEG – Lisbon School of Economics and Management. Doutor em Ciência da Informação pela UFMG.

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